"Tudo o que é criado é infinito": uma carta à Gabriel
Querido Gabriel,
se colocássemos o tempo que você está entre nós na escala de tempo do universo, poderíamos dizer que você passou a existir no tempo de dez elevado a menos quarenta e três segundos, ou seja, na menor das unidades de tempo da física. Eu espero que quando você crescer, as escolas já estejam ensinando algo sobre a física quântica... O que quero dizer é o seguinte: você mal chegou ao nosso planeta azul. Mas também faz uma diferença danada! E é isso que você vai descobrir sendo humano.
Segundo os cientistas, o nosso planeta existe há 4,6 bilhões de anos. O universo onde ele existe e fica girando ao redor de si mesmo e ao redor do sol (o sol você já conheceu!), existiria há mais ou menos 13,4 bilhões. Tempo que você, como qualquer outro ser humano, jamais será capaz de conceber, porque a gente sempre pensa em termos de “o que eu faria se vivesse 13 bilhões de anos?” Porém, diferente do tempo que se mede, somos capazes de conceber o infinito, sem racionalizar e perguntar o que faríamos. É que o infinito cabe onde a gente menos espera e ele é sentido, não pensado. E essa é uma das maravilhas em ser humano. Além de pensar, refletir, analisar, chegar a conclusões, você vai descobrir que sente, que existem coisas que as palavras que você vai aprender nunca vão dar conta e que, mesmo tendo um corpo limitado e fazendo parte do útlimo segundo da história do universo, toda essa história está em você. E você vai descobrir que essa limitação do corpo foi uma invenção humana que oculta que cada um de nós contém o universo dentro de si. Por que a gente inventou isso só o tempo vai te dizer. Melhor eu não falar nada agora, porque nesse momento sua única preocupação é só ser. Nós podemos sentir o infinito várias vezes durante a vida. Aí, na tentativa de querer exprimir isso ou sentir mais, pode ser que você descubra a poesia, que é uma forma de libertar a palavra das prisões dos sentidos fixos que damos a elas no dia a dia e dizer este infinito. Ou pode ser que você descubra a música, e aí vai ser como mergulhar num oceano e se descobrir peixe – descobrir que você respira no universo do indizível. Pode deixar que a tia Vanessa vai se ocupar de te manter perto das duas! Mas pode ser que você descubra a poesia da matemática e da ciência. E se torne um grande pensador do cosmos e nos revele se, afinal, existe apenas um universo ou vários (dizem por aí que existem alguns, consegue imaginar?). Ou quem sabe, você descubra a meditação ou um sentido de espiritualidade que te conecte com esse cosmos pelo seu próprio corpo na sua solidão ou em companhia de outro. Ou tudo ao mesmo tempo. O passar do tempo tem feito a sua tia acreditar que tudo são variações de um mesmo tema. Como toda a vida no planeta também. Um dia você vai aprender sobre um tal de DNA, uma coisa que você não enxerga de tão pequena e que está dentro de você, como um hardware que carrega a programação de um computador (você vai crescer sabendo o que é isso), e que faz você ter o cabelo que tem tanto quanto metabolizar o açúcar da forma como você metaboliza (você vai estudar o que é metabolismo, não se preocupe com isso agora. Apenas mame.) A maior parte do nosso DNA é igual à de muitos seres vivos: árvore, cachorro, mosquito, barata, coruja, borboleta, flor de lótus e por aí vai. Na base, somos todos poeira de estrela e viemos todos da água. Fascinante isso, não!? E o nosso DNA de ser humano é 99% igual ao dos macacos, um dos bichos mais fantásticos desse planeta. Foi um cara chamado Darwin que descobriu isso. E a Igreja ficou doida, mas hoje já aceitou, porque ela dizia que um ser sozinho criou o mundo de repente e fez o homem a sua imagem e semelhança para dominar os outros seres. É fácil entender isso, não é? Você vai descobrir o quanto o ser humano é bom de criar histórias. Ah, o que é a Igreja? É uma longa história, mas resumindo, é uma instituição (infelizmente você vai lidar com essa coisa chamada instituição durante a sua vida) que tenta tomar para si e controlar uma coisa maravilhosa e singular que é uma tal de experiência mística. Mas isso é o que eu acho. Outras pessoas acham outra coisa e pode ser que você goste ou não da Igreja. Tem gente que se acha nela, tem gente que se acha em Buda (outro dia te conto dele) e tem gente que não se acha em nada. Isso, só pra te contar um pouco do que é o mundo em que você chegou. Embora uma coisa chamada sociedade tente moldar os seres humanos, nós somos muito diversos em nossas formas de existir, como a natureza é, ou seja, diversos nas formas de amar, de sentir, de entender uma coisa chamada política e de fazer desde planilhas até um bolo de chocolate. Você vai descobrir como é maravilhoso viver nesse mundo, mesmo e apesar dos muitos problemas com os quais você também vai se deparar. Mas não tem nada mais incrível que sentir que a vida é infinita, mesmo que a gente não seja. Ah, outra coisa que você vai descobrir... Um dia, todo mundo vai morrer. Essa tal de morte é uma coisa que dá uma tremenda solidão e é inevitável. Você vai ter que lidar com ela, faz parte do contrato da vida. Mas, ao mesmo tempo, se você colocar tudo na escala do universo, vai descobrir que é eterno.
Essa coisa de sentir o infinito já existe junto de você desde que você foi gerado. Aliás, antes até. Você está aqui porque um dia a sua mãe e o seu pai sentiram isso em algum momento juntos e decidiram que iriam passar adiante essa sensação criando você – e eles só são capazes de sentir isso porque em algum momento da história do universo, o próprio universo achou por bem se tornar consciente. Foi então que nasceu o ser humano! Para perpetuar esta sensação, algumas pessoas meditam, outras rezam, outras fazem sexo (calma que um dia você vai saber como é isso!), umas escrevem livros, outras plantam árvores, fazem música, umas têm filhos e outras fazem tudo ao mesmo tempo. O ser humano é fascinante. Você vai ver quanta música a gente foi capaz de inventar e quantas combinações de cores e estampas, de sons, de palavras, de furos e engrenagens. Você é fruto desse sentir o infinito, sentir o universo e com o tempo vai descobrir que à nossa capacidade de conceber o infinito demos o nome de amor. Seus pais já passam isso pra você desde o momento em que souberam que você um dia teria essa carinha curiosa e tão bonita que você tem agora, com apenas pouco mais de um mês de vida sorridente fora da barriga da mamãe.
Quando vi sua carinha pela primeira vez eu chorei. Não ria de mim, ok? Façamos um trato. Sua tia Juju riu. Mas vou te dizer uma coisa, nem eu entendi o que houve. Mas agora eu posso dizer que foi a tal sensação de infinito. Ver você e saber que você tinha vindo da minha grande amiga Lalá (é assim que eu e tia Juju chamamos sua mãe), foi sentir que a vida é eterna. Ela é eterna assim, quando passamos a frente nossa memória genética e em outro ser a memória inteira do universo. Nosso DNA carrega tudo (olha ele de novo!). Tem gente que deixa versos, tabuletas, notas, melodias, teorias. Isso também é dar eternidade à vida. Eu achava que eu seria um ser humano desses que iria manter a eternidade na criação de coisas. Mas quando eu te vi, algo mudou dentro de mim e exclamou com uma sinceridade que nunca havia existido antes: “acho que sim! Sim, é possível!” Talvez daqui a uns anos você tenha primos para pegar no colo, porque você já vai estar grandinho. Quando olhei pra você, Gabriel, e depois vi os olhos do seu pai e da sua mãe brilhando ainda na maternidade, apesar de todo o cansaço de uma noite pra fazer você sair do quentinho pra essa luz toda, eu senti profundamente o infinito. E ele cabe nos menores gestos e numa criaturinha tão pequena como você. Ele estava ali no olhar deles. Ele estava em você, na sua mãozinha e no seu choro. E ele estava na minha cara embasbacada com essa vidinha que chegava e que tem um mundo a percorrer ainda.
Com o tempo também você vai ver que o ser humano é dado a extravagâncias. Adoramos criar grandes coisas: pontes, navios, sinfonias, arranha-céus, odes, filmes de sucesso. Queremos ganhar prêmios, viajar o mundo, comprar terras, carros, casas. Tudo isso é muito legal e foi essa capacidade de ser extravagante que nos fez conquistar coisas incríveis, que deixou obras fascinantes e nos deu a capacidade de conhecer muita coisa. Ela também nos diz o quanto somos a consciência do universo (foi um amigo em comum meu e da sua mãe que me despertou pra isso, um dia você também vai conhecê-lo). Mas foi tudo isso também que deixou o ser humano doido. Não queria ter que tocar nesse assunto, mas a gente faz uma coisa chamada guerra, Gabriel. Quando a gente cisma de achar que é maior que o universo, a gente perde as estribeiras criando impérios e devastando outros, como grandes galáxias nascem e morrem. E matamos muita gente, como meteoros se colidem ou colidem com planetas. O problema é que tudo na escala do humano é complicado, porque nós somos conscientes. A natureza não é bonitinha, você vai saber. Ela é também, mas é cheia de coisas bizarras. Só que a grande diferença é que a gente faz e sabe que faz. E, ainda assim, fazemos em grande escala. É que existe uma coisa chamada poder também. Poder que se estabelece sobre o outro, e não sobre si. Você vai descobrir um dia que nada no mundo é ruim ou bom por si mesmo, como por exemplo, o poder. Poder sobre si é legal e desejável. O poder sobre o outro não é legal não. Torna tudo mais nebuloso, difícil, triste. Mas não vou entrar aqui em uma discussão moral, porque você está naquela fase que só o que importa é sobreviver e para isso você só precisa de carinho e leite e não de moral. Depois, quando você estiver maior, a gente pode conversar sobre uma coisa chamada ética. A tia não é muito fã da moral não, mas gosta bastante da ética. Normalmente as pessoas confundem os dois por aí. Mas é que eu enveredei por uma coisa chamada filosofia, de uns caras que andaram desafiando as regras de sua época. A história está cheia deles e delas. Mas muitos sofreram muito por contrariar as verdades que não eram assim tão verdades. Aliás, essa é uma palavra que vai te dar muito trabalho, já te aviso: verdade! Sabe pequeno, tem outra coisa que eu não queria te dizer, mas preciso. Tem muito preconceito nesse mundo. Na verdade, o problema nem é o preconceito. A gente tem pré-conceitos sobre tudo (sei que você será inteligente pra saber a diferença). O problema é quando o preconceito machuca a singularidade do outro. Ou seja, quando o que você não gosta impede o outro de ser livre, de ser quem ele é. É uma relação complicada essa. Outra palavra que vai te dar trabalho: liberdade. Essa já foi motivo de muita confusão. Mas também de poesias lindas. Liga não, esse mundo é confuso assim mesmo, Gabriel. Esse seu olhão curioso ainda vai ver muita coisa que ele não vai entender. Mas, como também diz um poeta, algumas coisas são para serem vividas e não entendidas. Mas seus olhos também serão capazes de ver as coisas mais lindas. Esse mundo é bonito que dói, preciso te dizer, embora a vida seja às vezes muito difícil. Sempre vai ser. Só espero que quando você tenha idade suficiente para ler e compreender esta carta, as pessoas estejam matando menos umas as outras e o planeta. A gente não anda sendo muito legal não. Chato dizer isso, mas é preciso. Mas uma coisa eu sei: você vai amar. Porque todo mundo ama. Quer dizer, dizem que os psicóticos não. Mas não sei... Duvido de tudo. E é o amor que faz a gente permanecer e aceitar as dificuldades da vida. E é a coisa mais fácil do mundo. Só que ele é tão poderoso que a gente às vezes tem medo. E o amor vai murchando conforme a gente cresce. Não me pergunte agora por que, eu prefiro não explicar. Só posso te dizer que é assim, infelizmente. Aí a gente tem que cortar um dobrado quando está grande pra poder recuperar isso que é tão fácil quando a gente é pequeno. Mas posso te garantir: vale a pena! Porque quando o reencontramos sentimos que o universo inteiro existe dentro de nós. O amor é tão, mas tão grande, que ele cabe num sorriso. Coisa louca isso não é? Mas é que tudo que existe no macro existe no micro, embora regidos por leis diferentes. Se você olhar uma galáxia e uma célula não vai saber reconhecer a diferença. Juro pra você! Esse tal de amor existe nos pequenos gestos: num cafuné, numa massagem, num olhar de cumplicidade, num sorriso repentino, num carinho desinteressado, no cheiro do café preparado pra si ou para o outro, quando a gente alonga o corpo, quando a gente sente a respiração, quando ficamos em silêncio e ouvimos o dia, quando nos deixamos tomar pela música e dançamos, quando o cachorro pede colo, quando entramos no mar. Amor é a coisa mais simples e mais fantástica do universo, ele é a própria sensação de infinito. E é por isso que vale a pena viver, mesmo diante de tanta confusão. Na verdade, como um poeta falou (o nome dele é Fernando Pessoa), "tudo o que é criado é infinito". Tem um outro poeta que viveu no Brasil, nascido em Minas Gerais (que você vai conhecer), que disse que o amor é grande e cabe num breve espaço de beijar. Os poetas sempre sabem como dizer as coisas. E sabe por que a coisa mais simples é também a maior e a mais incrível? Porque não é tamanho que se mede nem tempo que determina a eternidade ou a força de algo. É intensidade. É presente. O passado e o futuro só existem enquanto presente. E o amor é presente em estado puro. Quando estamos nele não queremos estar em mais nada. Sentimos o infinito e descobrimos que somos eternos quando amamos. Pergunta pro seu pai e pra sua mãe.
Então, bem vindo Gabriel, amo você! E o mundo também, embora o tempo todo vão tentar te convencer que não. Mas não dê ouvidos, já disse: tem coisas que é melhor não entender... Seja quem quiser ser e permita-se amar! O resto vem.