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Mostrando postagens de 2016

Tema clássico

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Escorre meu coração Através de um adagio A chuva rememora O frio da infância Era um naufrágio de névoa Cobrindo as montanhas E cheiro de avó na cozinha Preparando a refeição Escorre e aperta Respira e se eleva Ao solo terroso Ao que espera De um desejo novo Atravessa a partitura E cria, o coração, Literatura A chuva insiste Mas acalenta quentura Da companhia Dos poetas na estante Estou repleta Completa de mim mesma O frio traz saudade O calor que tenho dentro, Liberdade Escorre meu coração Ora grave Ora vivace

País tropical

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Moro num país tropical Abençoado e maltratado Há no parlamento Asquerosos mal dotados De intelecto e amor Ladrões por toda parte E boa parte da gente Dá jeitinho em tudo Pura arte? Corrompem-se por bem pouco E suas fraquezas esfaqueiam As potências do outro Dizem que todo mundo Tem seu preço Já me ofereçam tudo: Cargo, dinheiro No dia a dia Tentam me comprar Com vaidade, desejo Mas eu prefiro as árvores Moro num país tropical E há nele um homem prepotente Que se intitula presidente E se eu quisesse continuar a rima Diria que impotente E por aí vai Mas minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá E ela é um deleite para poetas Pena que não se compreende mais nela A força dos estetas, dos livros e das festas Mancham de sangue os coretos Rotulam jovens estudantes de baderneiros Estrangulam as liberdades Como estupram moças a cada esquina E depois as culpam pela saia pequenina Mas dizem que a história é cíclica - Deveríamos respirar? - E se isto no

Phoenix, um poema

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Para Sergio Roberto de Oliveira De tudo renascemos – Anunciou-se! Do pó viemos ao pó retornaremos Para dele, reerguermos sonhos – não muros, No ciclo eterno de vida renovada Teu corpo é de cada humano – Alvorada! Tua dor quem sente é o mundo Pelos fios da linguagem universal Emoção-sal De corpo água-forte Respirar não é mais Que impermanência e sorte E, de repente, a morte E o primeiro reviver Simultâneos intervalos Quando nasce a morte Morre o passado Ambos um só, sem hiato E eis que ela, a vida, Brilha no choro agudo Da criança recém-nascida Morre o jovem, nasce o pai! Eis o que se consuma! E celebra-se a bruma! Segue-se a jornada Em seu curso, amarrada, A criança crescendo, o pulso, a estrada, Dias e noites cumprindo o seu destino insano E, então, de novo ela, dilacerando, A morte na forma do fim do amor Para renascer, em exato ins

Derradeiro

Ante o imponderável Paro e sinto Que mistérios ligam Os meus sentidos Ao infinito Pensar alturas não é só para poetas A vida tem asas e abismos Pairando no tempo o espaço aberto Rasga um coração Derramamentos Fosse meu corpo um cetro Eu o traria agora para mim Dono de si-realeza-interna Cavalheiro de cor marfim Ante o impossível Paro e observo O antes improvável Torna-se certo Que de noite seja dia Porque não Que o dia seja raro O beijo desejado Acontecido O fosso das almas perdidas Encontrado Fosse minha mente uma jangada Eu faria deste planeta um só mar Inteiro sem fronteiras e sem leis Cozido no amor com sabor de manacá Ante o inconsciente Paro e respiro Que palavras se parecem Com o que digo Que as estrelas sejam olhos Que os olhos sejam fome Talhado na pedra o charque Fervido na brasa o molho Arado o solo-chão para o sexo Fosse o meu mundo terroir Eu distribuiria música com Dionísio Beberíamos todos em sol maior Aniquilados pela sorte do

Um cisne em voo solo - carta para Stefania

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Querida Stefania, espero que esteja tudo bem por aí. Por aqui teremos que aprender a conviver com a sua partida. Porque a vida segue em todos nós. Em você também, porque acredito que tudo é uma coisa só, vivemos em espirais do tempo e do espaço. Neste momento, estamos apenas em dimensões diferentes da existência. Logo, teremos que aprender a conviver com a sua partida desta dimensão aqui.  Queria te dizer muitas coisas bonitas, mas as palavras são limitadas. Podem ser muito belas, é verdade, e eu vivo buscando beleza através delas. E, junto a elas, explicações e narrativas para o que vivo. Como faço agora nesta carta para ti. Mas acredito que é para além das palavras que a beleza se manifesta mais plenamente. Por exemplo, na natureza, que você tanto amava. E na música, que você dançava. Na noite em que eu soube da sua partida, quando eu já estava sozinha, passei um tempo mergulhada nas palavras. Escrevi para mim, escrevi para o outro, racionalizei para tentar achar sentido. En

Imoral e física

Sou fagulha de sol Na direção do improvável Tudo o que imagino Realizo E minha aura radiante paiol Veste túnicas de cetim sanguíneo Há que se considerar que, Afoita, Jamais manseio E que, carregada de arpejos, Não me entrego a qualquer fato Hoje, avalio ontem Repenso Estratégia me faz O tempo me ensinou a ser selvagem E a catarse dos momentos A manter foco em arte Sou arma de forte na entrada no mar E pirata que toma os navios da realeza Não concebo Moral Que a alma não aprove E me debruço à falta dela Porque me sirvo Desejo Há quem se alimente de restos E se contente com palavras belas Ou sou diversidade Aquarela Ou me recuso a ser esteta Prefiro a imoralidade da traição À sensação castrati de viver obrigada De que adianta alcançar as notas Sem que o corpo conheça A dança apaixonada Há quem pense em agudos E, só depois, em graves Eu deslizo por toda a grade Sou fagulha de nada Que sabe ser tudo Não me culpo a arrogância De me sent

Carta a quem interessar

Não me importam as tuas narrativas Mas o que dizem as entrelinhas As fotos que publicas Os poemas que recordas As músicas que gostas Não me dizem nada Não sou fã das aparências Procuro o que escapa no teu gesto A significância do que mostras E o desejo por trás de tuas apostas Não me interessam A voz bandida ou de anjo Se tu te achas do bem Ou se te achas do mal Eu me divirto com adjetivos São apenas possibilidades da linguagem Julgamentos morais não me atraem Pois o que realmente te faz Fica guardado no teu plano mais secreto Se tu gostas de mim ou não De nada me interessa Tua opinião é só mais uma entre sete bilhões Quero saber o que isso me diz sobre ti E o que te faria largar o teu ego O que expressas numa mesa de bar Interessa à sociologia e ao teu analista (Como o que expresso, ao meu) A mim interessa o que existe Quando estás só e em silêncio Quando toda a luz já se apagou E toda a cultura dorme Quando mostrar-se já não é necessário E os medos e a

Oração

Que a poesia me livre  Das suas prisões E das minhas e das de todos nós E me permita, ela, Sempre a liberdade Ainda que subjugada Sob a bandeira da necessidade Ou a sentimentos presos Em gargantas ilhadas E que minhas verdadeiras intenções Não sejam reveladas  A quem não merece conhecê-las E meus desejos mais secretos Sejam apenas meus e daqueles que escolho Que o tesão se faça todo dia Nas brechas dos momentos burocráticos E através deles E a ironia sorria para os que mentem a si mesmos E fingem ser o que não é De tal forma que se tornam caricaturas ao espelho E que venham sonhos e nos libertem, todos E sejam eles os meus guias Nessa estrada de vidas que se querem poucas Que minha face mais verdadeira Seja dada aos momentos de fato sinceros E as máscaras certas sejam usadas Nas horas em que só cabe sobrevivermos Que eu não tenha medo E ele também não  E ela também não E nem eles, nem nós,  Nem irmãos ou inimigos E sejamos todos capazes De ver que nada