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Mostrando postagens de 2015

O primeiro dia

Todo dia é sempre O primeiro dia Do resto de nossas vidas Dia de dizer palavras duras Que já não podiam não ser ditas E ouvi-las, algumas De descobrir que o amor se fortalece Mesmo quando a gente esquece - Quando se deve esquecer - E nos dias cinzentos dos afastamentos Que carregam a esperança Dos novos e futuros felizes momentos Todo dia é dia de saber Que existe amor no sim Mas também no não E que não e sim São como luz e escuridão Todo dia é dia de jogar coisas fora Aquelas cartas de anos atrás Que estavam empilhadas em pastas Por sua vez empilhadas em armários Por sua vez empilhados – pesados – Num excesso de memória Dia de descobrir que elas Não servem mais a nada Que não à história E é só no coração o seu lugar Para que guardar tanto objeto Em um mundo já repleto? E porque represar energia Quando deve o novo chegar? Se o se que passou só existe Como lembrança e aprendizado - às vezes como o inventado - E nem existe ainda o que virá Sejam

Astrolábio

Partiu mais um barco Levou pro sem rumo da vida Os barris de rum vazios Quinquilharias que já não Faziam sentido Roupas velhas, Papagaios mortos E todas as cartas de um baú Já carcomido Onde a craca dos mariscos Longe d’água Começou a dar mau cheiro Partiu mais um barco E, em mim, Partiu-se ao meio Mas eu, pirata que sou, Roubei outro para mim! Meu sonho Nunca é um barco abandonado Pois é fiel ao destino De não ficar ancorado No mínimo, Somos uma família de exilados Meus sonhos, o sol, os peixes E os pássaros Conversando todas as manhãs Sob um convés alado E o que dizer do espelho? Quando olho pro mar E me reconheço Sei que antes De amar qualquer coisa Devo sempre Amar meu próprio zelo No mais, Entre uma solidão e outra Encho os barris E convoco a artilharia Agora, ando apenas Com artilharia pesada E não há mais desejo em mim Que passe fome Pois a arma Mais forte que encontrei Foi dar ao barco

Liberdade

Perder o que nunca foi seu Não é perder Nascemos sem nada Morreremos igual E sozinhos E isto é liberdade Uma vida humana Só sabe ela mesma O resto é sensação E memória do outro Então, para que preocupar-se Com frivolidades? E porque ter medo? Estamos aqui para ser! E o que restará de nós Ainda será do mundo (Mas nunca nosso) E o mundo fará reverências A quem o deixar regalos Só construímos verdadeiramente algo Quando não nos apegamos Ao que estamos construindo Mas o deixamos pertencer à vida Sujeito, assim, às intempéries do tempo Para ser inteiro É preciso entregar Pois deixar um rastro, Filhos, livros, Música, a ciência, Tudo isso é legado apenas Quando não se trata de vaidade Não temos nada Entendendo isso Podemos tudo Ao fim de cada rumo Chega um novo Súbito vem a primavera E o que mais importa Que a liberdade de ter tudo sem ter nada? De florescer sabendo que mais tarde O inverno levará as cores... De pisar como bicho no ciúme, n

Trinta e cinco

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Blackbird... You were only waiting for this moment to arise Era tarde e chovia Como de praxe na revolução do meu sol. Para criar arco-íris, é fato! Pois não aceito nada menos que isso: cores! Meu coração de filha do quase inverno Inflou de alegria! Fechei os olhos para sentir O fino da chuva no meu rosto - Eu estava sentada no sofá do quintal, Observava as bandeiras do Nepal, Que me presentearam um dia, Penduradas, voltadas para o vento, Carregadas de prece - Pensei: Sidarta iluminou-se aos trinta e cinco! Trinta e cinco... E tanto ainda por viver! Ainda virão novos sonhos no planeta E novas florestas serão devastadas Virão fatos, guerras, dores, Janelas novas, novos ares, Cachorro correndo no jardim, outras músicas, outras paisagens Virá o dinheiro! – Ao menos acredito nisso... (E se eu não acreditar, ninguém, por mim, o fará) E virão os filhos! E os livros repletos das pequenas verdades Sim! Virão as crianças um dia E as novas poesias E o amor, finalmen

Rio 450 gestos

Tens um gesto que se desdobra: Aquele que reconheço no espanto! Não soltas, nem amarras Encantas e provocas medo Mas presa ao medo e ao leme Tens sorriso curtido de malandro Sambas o romantismo do tempo dos poetas E a alvorada dourada da Baía de Guanabara Corres... Fugidia e fugindo no lamento De veias mal tratadas Mas, ah, és o Rio! Dos tantos que dormem matutinos pelos trilhos da Central E aquele do bonde de outrora que atravessa As minhas saudades mais bonitas de pôr do sol Trilhos que levam às salas e às senzalas E tua força reside é nesta gente que escapa Nos meninos que correm descalços jogando futebol Nos que deslizam nas ondas Nas moças de beleza eternizada em música Que sabem que são mais que uma beleza carimbada O Rio é de muitas caras e "maracas"! E, porque não, do terno e da gravata E dos sinais que atravessam a Presidente Vargas Mas como choras... O choro vermelho de almas tão novas Deveriam ser anjos, Tão somente crianças a brincar nas

"Tudo o que é criado é infinito": uma carta à Gabriel

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Querido Gabriel, se colocássemos o tempo que você está entre nós na escala de tempo do universo, poderíamos dizer que você passou a existir no tempo de dez elevado a menos quarenta e três segundos, ou seja, na menor das unidades de tempo da física. Eu espero que quando você crescer, as escolas já estejam ensinando algo sobre a física quântica... O que quero dizer é o seguinte: você mal chegou ao nosso planeta azul. Mas também faz uma diferença danada! E é isso que você vai descobrir sendo humano.  Segundo os cientistas, o nosso planeta existe há 4,6 bilhões de anos. O universo onde ele existe e fica girando ao redor de si mesmo e ao redor do sol (o sol você já conheceu!), existiria há mais ou menos 13,4 bilhões. Tempo que você, como qualquer outro ser humano, jamais será capaz de conceber, porque a gente sempre pensa em termos de “o que eu faria se vivesse 13 bilhões de anos?” Porém, diferente do tempo que se mede, somos capazes de conceber o infinito, sem racionalizar e perguntar o qu

Lar

Nunca ser de nada Ou de nenhum lugar Que não seja si mesmo Nenhuma cidade, nenhum país Ou território além do corpo Sem medo de ir ou de ficar E viver na liberdade De poder criar raízes Onde o amor brotar

máquina

uma poetisa que assim se nega, embora seja tão dona das palavras, então me disse: encare o coração como uma máquina! se ele não está funcionando direito é porque está sobrando ou faltando alguma peça lembre-se do nosso engenheiro sensacionista e a ele dedico a minha prece: ó grande senhor da poesia, amado mestre, que ama os navios e as engrenagens porque eles funcionam, conceda-me, mestre, a dádiva de também amar assim, apenas aquilo que funciona como tem que funcionar, porque hoje, que se dane a poesia, o abraço e a chuva que cai lá fora pedindo aquele corpo do meu lado. eu morreria mesmo é triturada por um motor e não por sua rima

arte de viver

era um delírio quente que me ardia a madrugada de seiva bruta açucarada escorria na água do chuveiro como engrenagem tátil encaixada no corpo retrátil da celulose que se tramava para escrever um novo livro a tinta era de vinho e diziam, tinha até sangue, aquele cheiro tórrido da última noite de verão... tinha alfazema e lírio tinha o delírio do suco de desejo enrolado no edredom e o ar frio que já começa a querer deixar seu rastro e aproximar os corpos e era mórbido... porque havia morte também e nascia um elemento estranho como que fazendo graça na minha frente pra dizer: esquece faz tempo a tua aurora tem mais coragem que a coragem vazia de quem ama as tempestades apenas nas pinturas das paredes a arte é pra quem vive

Meu mar português

Disseram-me em poesia Que já sei o suficiente para não resolver E que tenho o cronograma perfeito para o plano não traçado Com o conselho amigo de navegar no barco dos meus sonhos Abaixo, ao mar... E deixar no alto o que é para estar no alto e lá morrer Como luz de farol Lugar que não faz parte do real Apenas guia E eu que me achava mergulhadora sábia... Hoje cometo o excesso de me afogar num mar imprevisível Eu não sabia era nada do fundo das águas Eu não sabia era nada sobre a forma do desconhecido Essa maleabilidade do amor líquido Tantos anos a treinar meus pulmões Para, na descida ao abismo, descobrir Que ele é muito mais escuro que eu supunha E que a água é muito mais fria E tudo é tão lento e largo Que o ar não cessa Ele silencia Dizem que mergulhar fundo traz sabedoria Eu rio sempre dos axiomas tortos que derramam As bocas que não conseguem ficar quietas Mergulhar fundo asfixia Mas depois que o ar se acalma nos pulmões

Para amar de verdade

para amar de verdade é preciso antes, amar-se nenhum mistério no que escrevo já disse algum poeta em manuscrito para amar de verdade é preciso localizar o desejo e observá-lo como a um bicho que atravessa a estrada na frente do nosso carro e é preciso deixar de lado o ciúme, o desespero e dialogar com o apego fazer planos pra si mesmo e somente para si entregar-se a deleites solitários é preciso abandonar a memória das promessas não cumpridas das coisas ditas e não ditas e as boas lembranças de cheiro as de muito tempo e as de ontem também abandonar até a quem se ama deixá-lo só e por um tempo esquecê-lo e fazer das memórias de dor substância de renascimento do amor porque sempre serão rima um com o outro já que amar exige esforço de enfrentamento do que é mais grandioso para amar de verdade é preciso estar disposto a encarar os próprios medos e se olhar no infinito do espelho é preciso querer encontrar dentro de si a liberdade de descobrir que a vida