Trinta e cinco

Blackbird... You were only waiting for this moment to arise


Era tarde e chovia
Como de praxe na revolução do meu sol.
Para criar arco-íris, é fato!
Pois não aceito nada menos que isso: cores!
Meu coração de filha do quase inverno
Inflou de alegria! Fechei os olhos para sentir
O fino da chuva no meu rosto
- Eu estava sentada no sofá do quintal,
Observava as bandeiras do Nepal,
Que me presentearam um dia,
Penduradas, voltadas para o vento,
Carregadas de prece -
Pensei: Sidarta iluminou-se aos trinta e cinco!
Trinta e cinco...
E tanto ainda por viver!
Ainda virão novos sonhos no planeta
E novas florestas serão devastadas
Virão fatos, guerras, dores,
Janelas novas, novos ares,
Cachorro correndo no jardim, outras músicas, outras paisagens
Virá o dinheiro! – Ao menos acredito nisso...
(E se eu não acreditar, ninguém, por mim, o fará)
E virão os filhos! E os livros repletos das pequenas verdades
Sim! Virão as crianças um dia
E as novas poesias
E o amor, finalmente, será
Forma de sonho compartilhado
Transformado em casa construída a maneira que se queira
Calcada em alicerces que se movem, é certo, mas alicerçam
Porque segurança é a maior das ilusões humanas
Porém, tudo resiste ao amor! Aprendi aos trinta e cinco!
Entre uma simples mortal de trinta e cinco anos e Buda
Há algo em comum: sabemos que a vida é transitória!
Mas também sabemos que há aquilo que fica.
Nos próximos trinta e cinco anos, as cidades se transformarão,
Os filhos, meus e seus, nascerão e crescerão
Haverá centenas de novas estradas, carros
Indo e vindo, o sol todo dia irá nascer e se pôr
Mesmo que os homens insistam em esquecer sua humanidade
E quem sabe até lá já não saberemos mais da dobra do universo
Nos próximos trinta e cinco anos...
Mas no meio de tudo isso, como deve ser,
Permanecerão os amigos.
Amigo é que é presente de aniversário!
Se eu contasse os últimos anos e toda a amizade perdida...
Mas na minha solidão lapidei o meu desejo
E ganhei o inesperado
Ficaram os que deveriam ter ficado
Nestes trinta e cinco...
E vieram os novos, radiantes, para iluminar ainda mais o meu cenário
Chegaram trazendo flores coloridas, violino, contrabaixo,
Fotografia, viola, violoncelo, prosecco importado!
Vejam só...
Vieram devidamente trajados!
Juntaram com os produtores, os outros fazedores de arte,
Os locutores, os bailarinos, os insaciáveis
E vieram ainda com um cravo pra o barroco nunca mais sair da minha vida!
Porque me embriago mesmo é com três coisas
- Engana-se vc se acha que é com álcool -
É com palavra, sexo e Vivaldi!
E criaram, todos eles, juntos, os novos e os antigos,
Uma festa nas terras férteis do meu coração
Onde planto as melhores uvas de palavras e afetos
Para colher os vinhos dos amigos certos.
Fizeram lavoura: remexeram na memória
Juntaram o novo com a história
E o que se produziu foi um vinho único de safra nova!
Carrego comigo hoje um livro em branco
Pronto para os próximos trinta e cinco anos
Penso que daqui há um ano, já haverá algumas páginas escritas
E quero eu poder dizer aos trinta e seis:
Era uma vez uma vida que se permitiu ser o máximo que ela podia ser!
Mas dirá o cético: trinta e cinco e o que foi que vc fez?
Duvido ter feito algo que preste...
Eu, como boa oradora que gosta de desafiar, direi:
Ah, eu fiz foi muito!
Mas como boa geminiana, obviamente queria ter feito mais!
Porém, descobri que o insaciável é algo que também transita
Na roda da fortuna da vida
E que é possível estar em paz ao variar no mesmo tema.
As variações são sempre infinitas!
E que no ir e vir de um dia estar no alto e no outro no abismo
Só o que não gira é o centro
Descobri que é no coração que a natureza persiste.
Em meio a todo o ir e vir das belezas e das incertezas
Se tudo gira, o que fica é amor!
Aquele amor incondicional pela vida que pulsa na gente
Para que amemos também o outro incondicionalmente
Com as nossas mazelas, perdas, tristezas
E nos estranhos momentos de certeza.
Aquele amor que amigo sabe que existe
E que vem com a sabedoria da idade,
- muito embora, ela só vem se a gente se abre.
Não nos enganemos!
Descobri aos trinta e cinco
Que mais feio que enganar o outro
É enganar a si mesmo
Deveríamos ouvir mais os poetas
Faz tempo já disseram que viver não é nada preciso
Precisão é coisa de astrolábio e da matemática
A música é precisa! A vida não...
Trinta e cinco...
E penso no cético! Ele poderia estar certo
O que fizemos até aqui? O que deixei de viver até aqui?
O tempo é matéria que transforma tudo
Não perdoa, tanto quanto traz o perdão
E, de repente, quando me dou conta dele
E observo a chuva, as bandeiras do Nepal,
Penso no Buda, medito, encho uma taça.
Quando me dou conta dele e penso no sorriso dos que amo
E nos seus choros, medos, traumas, desejos
Aperta-me a alma saber que os próximos trinta e cinco
Passarão como um cometa
E é nessas horas que melhor que ouvir Bach
É lembrar aquela velha canção da adolescência:
“Hoje, o tempo voa, amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir que não há tempo que volte...
Vamos viver tudo o que há pra viver!
Vamos nos permitir!”
Porque, de repente, estaremos eu, você, toda a humanidade
Sentados no sofá do fim da vida
E não queremos pensar no que nossos medos impediram,
No que a nossa falta de coragem matou da poesia.
O caminho do risco é sempre o caminho mais bonito
Não se conhece o ouro sem passar pela alquimia!
Aprendi isso aos trinta e cinco!
Idade em que Sidarta descobriu que Deus existe mesmo
É dentro de cada um de nós!
Começo um novo ciclo.
Vem vindo uma revolução e ela é solar!
E é tão cheia de amigos e descobertas
Que eu poderia dizer que sou hoje a pessoa mais rica desse mundo.
Quiçá do universo inteiro!
Já que riqueza de verdade existe mesmo é na amizade
E naquela sensação de olhar no espelho e dizer: é, eu gosto do que eu vejo!

Trinta e cinco
Nem mais nem menos
O meio

O meio do infinito!


Escrito entre 17 e 19 de junho de 2015

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