Meu mar português

Disseram-me em poesia
Que já sei o suficiente para não resolver
E que tenho o cronograma perfeito para o plano não traçado
Com o conselho amigo de navegar no barco dos meus sonhos
Abaixo, ao mar...
E deixar no alto o que é para estar no alto e lá morrer
Como luz de farol
Lugar que não faz parte do real
Apenas guia

E eu que me achava mergulhadora sábia...
Hoje cometo o excesso de me afogar num mar imprevisível
Eu não sabia era nada do fundo das águas
Eu não sabia era nada sobre a forma do desconhecido
Essa maleabilidade do amor líquido

Tantos anos a treinar meus pulmões
Para, na descida ao abismo, descobrir
Que ele é muito mais escuro que eu supunha
E que a água é muito mais fria
E tudo é tão lento e largo
Que o ar não cessa
Ele silencia

Dizem que mergulhar fundo traz sabedoria
Eu rio sempre dos axiomas tortos que derramam
As bocas que não conseguem ficar quietas

Mergulhar fundo asfixia

Mas depois que o ar se acalma nos pulmões exaustos
Não é sabedoria o que encontramos
Encontramos a nós mesmos no abismo
Como aforismo nietzschiano

Meu mar salgado é mistura de lágrima e suor
E já faz tempo me lancei além do Bojador
Mas não fui só, que só seria morte certa
Carreguei comigo as correntes burocráticas
Desejadas por lucidez – nos agarramos a tudo pela sensatez
E vesti uma roupa nova, de espessura mais grossa
Porque eu sabia que a descida não seria passageira

E agora?
Dizem que vale a pena
Se a alma não é pequena
Por isso eu sigo navegando e mergulhando
Pois meu mar português ainda tem muito a me ensinar
Como eu tenho a ensinar a ele como navegante

Ele vem com a onda, eu venho com o leme
Ele vem com a calmaria, eu deito no convés
À noite, repleta de estrelas, eu grito “eu te amo”
Ao dia de tempestade, eu danço
Às vezes, quando iço a vela
Ele faz que não tem vento
Mas depois, chega com brisa e toca o barco
Para o necessário momento
Tem dias que olho para o horizonte
E lhe desafio a acordar Netuno
E seguimos assim, no cronograma incerto do futuro

Onde noivas ficarão sempre por casar
E mães deverão chorar
É sua sina!
Um filho já nasceu e a reza é vã
Sua estrada é luminosa
Mas entregue aos desígnios do acaso

Deus joga dados o tempo inteiro
Mas é preciso reconhecer:
No mar, ao espelhar o céu,
Foi certeiro!

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