Liberdade

Perder o que nunca foi seu
Não é perder
Nascemos sem nada
Morreremos igual

E sozinhos

E isto é liberdade

Uma vida humana
Só sabe ela mesma
O resto é sensação
E memória do outro

Então, para que preocupar-se
Com frivolidades?
E porque ter medo?

Estamos aqui para ser!
E o que restará de nós
Ainda será do mundo
(Mas nunca nosso)

E o mundo fará reverências
A quem o deixar regalos

Só construímos verdadeiramente algo
Quando não nos apegamos
Ao que estamos construindo
Mas o deixamos pertencer à vida
Sujeito, assim, às intempéries do tempo

Para ser inteiro
É preciso entregar

Pois deixar um rastro,
Filhos, livros,
Música, a ciência,
Tudo isso é legado apenas
Quando não se trata de vaidade

Não temos nada
Entendendo isso
Podemos tudo

Ao fim de cada rumo
Chega um novo
Súbito vem a primavera
E o que mais importa
Que a liberdade de ter tudo sem ter nada?
De florescer sabendo que mais tarde
O inverno levará as cores...
De pisar como bicho no ciúme, na raiva,
E nos destroços das paixões malditas
Para deixar florescer as bem quistas

As que nos dão potência
As que não aprisionam
As que fazem verão
As que permitem o outono

Não há lei maior
Que a lei da própria vontade
Porque todo ser que é humano
Só segue regras sociais
Por medo, prisão ou necessidade

A vontade é a vida!
Sempre dupla, em si mesma,
E infinita

Única regra que, por fim, dita

A alma humana é livre por natureza!

Todo o resto é somente convenção
E toda convenção
Só pode ser seguida, de fato,
Por tolos
Ou por eles formulada

Os livres escapam

Negociam, mas escapam
Estão nela, mas escapam
Podem até beijá-la...
Podem até ser por ela escravizados...
Mas escapam!
E se reconhecem uns aos outros

Sabendo que regra nenhuma vale
Além daquela da coragem
De olhar a si mesmo para ser
Mundo

Pois títulos não valem nada,
Mas as honras das batalhas!
E conselhos nada legislam
Que não suas próprias pequenezas
Construídas, letra a letra,
Por medo da incerteza

Mas quem disse que a vida é certa?
Quem disse que é a moral que nos regula?
Pergunte aos hormônios
Pergunte a lua
Pergunte ao coração que pulsa
À razão que analisa
À meditação, que silencia
Para abrir a verdadeira escuta

Nascemos sem nada
E morreremos igual
O que fazer neste tempo
Se não realizar em nós
E em nossas obras
O objetivo antitético da vida
Qual seja:
Permanecer se transformando

Por isso, obedecer
Apenas aos desígnios
Da missão que viemos ter
E missão se sabe
E exige coragem
Pois não se brinca
Com a liberdade

Esta pede disciplina
Controle do próprio tempo
Para que não o controle
Mais nada
Instituição
Moral
Legislação
Tudo isso é tão contra a vida
Que nos cabe rir e dançar

Se às coisas que criamos
Não déssemos caráter de eterno
Ou a gravidade do sério –
como alguém que franze as sobrancelhas
para dar bom dia –
Não precisaríamos nos esforçar tanto
Para sermos livres

É preciso sempre lembrar:
A voz que importa é a do silêncio
E não a do legislador
E mestra é a solidão
Para que tenhamos relações livres e potentes
Porque só assim são reais
Sem medo da morte delas mesmas
Concretas na sua incompreensão
E sábias em sua insegurança

E se houver servidão ou apego
Que sejam conscientes
E sejam voluntários
E não se cobre reciprocidade
Como juros de um cartão
E que seja por amor!
Porque não há motivo maior que este –
A resposta para todas as perguntas

Amor antes de tudo à vida e a si
Pois é preciso ser egoísta
Para ser coletivo, do outro e generoso

O verdadeiro egocêntrico
Não é o egoísta
– o que busca olhar-se ao espelho –
Não é o que luta por si
Mas o que luta em nome do outro
Seja egoísta
Não seja herói
Lute pela vida
E não por “algo maior”

Não existe algo maior
A não ser na construção diária
Do desejo compartilhado
Esta é a força real dos encontros
E não a condução por códigos
Juridicamente - ou moralmente - assinados

E se existe um rei a quem servir
Ele está dentro!
Se existe um Deus
Ele vive como eu vivo!
Porque se não nos reconhecemos
Deuses e reis diante do espelho
Jamais seremos capazes de sermos
Servos da vontade – a única justa servidão –
De realizarmos a vida em potência e comunhão
Lembrando ainda que se não soubermos
A verdadeira função de um deus e de um rei
Cometeremos atrocidades
E, o que é pior,
Em nome da liberdade

Deuses e reis
Não deveriam existir que não para servir
O rei que não serve ao seu povo
Assim como o deus que não serve ao seu
Não podem assim ser chamados

Lembremos novamente
Que o egocêntrico
É o que fala pelo outro
E não por si
Quando falamos apenas por nós mesmos
Somos a voz do universo
Porque ele, inteiro,
Reside dentro de nós
- e fala através da gente –
Falar pelo outro
É escravizá-lo
E não reconhecê-lo como igual

Pois a única servidão que vale:
A que é liberdade!
E liberdade, uma vez conquistada,
Não se vende nem se dá a escambos

Compartilha-se e torna-se o caminho!

Boa parte da dor e do sofrimento
Provém da especulação
E não do concreto
Se a mente cria o medo
É a mente que liberta
E nos revela Deus dentro de nós

E se a vida é uma eterna
Roda da fortuna
Melhor mesmo é olhar para dentro
Porque o centro nunca gira

Estar seguro é estar consigo
O resto é dúvida

Então, para que o medo?
Viva tudo o que tiver para viver!
E pergunte a si mesmo:
Qual é o meu centro?

Nascemos sem nada
E morreremos igual
Ao entendermos isto
Passamos a ter tudo!

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