o garoto do 415
reparei em você
calado
em pé num 415 lotado
era bonito
tinha rosto de menino
embora cansado
parecia não ser mais
tão menino assim
eu te olhava
você me viu
acho que gostava
da música que eu ouvia
quando sorriu
lendo meus lábios
ao me ver cantarolar
minhas tatuagens
chamavam seu olhar
e eu cantava despretensiosa
espiava da janela, a noite
eu poderia ter falado com você
e até agora
passado algumas horas
não sei porque não o fiz
nem você, me pergunto
eu não precisaria saber seu nome
você era lindo
você tinha barba
cabelo claro despenteado
e usava óculos
quanta imaginação
se passou dentro de mim, garoto
naquele trajeto longo
quem sabe não era você
quem viria me aliviar
a angústia de uma paixão doida
que me toma o dia
como se eu quisesse deixá-la...
essa paixão que tanto tem a minha estima
porque é pura vontade de viver
mas às vezes
a saudade é física
mesmo que tenham se passado
tão poucos dias
e como manter viva a alegria
sem deixar que tome o gozo
uma melancolia cinza
de querer o outro
na forma concreta do corpo?
quem sabe o seu mundo
não seria capaz de me arrancar do céu
você nem precisaria
dizer seu nome
nome é o que menos importa
nem quereria saber a sua idade
eu queria apenas o seu mundo
suas vaidades
mas não falei com você
desci antes
você seguiu em frente
quem sabe um dia a gente se esbarra
no ônibus ou na rua
eu não sabia de onde você vinha
nem pra onde ia
quem sabe não serei sua vizinha
quem sabe não era você
uma alegria furtiva
de um fim de dia
onde, por alguns instantes,
eu esqueceria
o que nem sei se é preciso esquecer
mas quem vai saber...