O tempo

O tempo é uma das questões que mais me me tomam tempo nessa vida, como questão prática e simultaneamente filosófica. E a relação com o tempo, é sempre uma relação conflituosa para mim (mas que relação não é conflito, me pergunto... conflito é bom!). Tudo o que faço, ou melhor, tudo o que escolhi para me dedicar (ou que me escolheu) faço com intensidade, e fico sempre com aquela sensação de que me falta tempo, porque, teoricamente, eu precisaria de mais tempo para fazer mais e melhor (neurose minha). Mas essa é uma sensação de quase todo mundo hoje, pois vivemos bombardeados por informações, ofertas e convites. Achar que vamos dar conta de tudo é um erro para o sistema nervoso, e para a consolidação do que deve ser feito. Pois o que não nos falta é tempo. Talvez falte é concentração, foco naquilo que escolhemos como prioritário na vida. No entanto, embora tempo não seja desculpa quando queremos alguma coisa de verdade, não há tempo a perder. Porque a vida passa rapidinho... O ruim é quando sequer sabemos o que queremos, o que desejamos. Aí é assunto pra outro texto. Nesse aqui, vamos supor que já sabemos, ao menos um pouquinho...

Saber que o tempo está passando é uma sensação que às vezes me angustia. É por isso que acredito que manter-se em movimento é extremamente importante e, mais que isso, no movimento do desejo. O quanto deixamos de nos dedicar àquilo que realmente importa pra gente na vida? Essa pergunta deveria ser básica no nosso dia a dia. Acredito que uma sociedade neurótica e violenta é fruto das inúmeras repressões do nosso desejo. Nada novo na psicologia, ok. Mas só para enfatizar que falo de um desejo de ser o que se é, que é o que se quer. De assumir o que é sincero dentro da gente. É assim que nascem os grandes artistas, cientistas e outros istas. Quando a gente faz o que ama, ou algo que passamos a amar porque nos conduz ao que acreditamos, e porque o que a gente ama nos organiza, nos constitui e dá sentido a nossa vida, a gente vive melhor e a vida em sociedade parece fluir melhor. Ao menos, é nisso que acredito. Claro que há uma série de questões sociais aí, mas é por isso que acredito nas políticas (coletivas e individuais) da multiplicidade – papo para outro texto também. E para isso não há tempo a perder, e há tempo para nos dedicarmos. Certo!? Hoje entrei no site da Armazém Cia de Teatro, e ao clicar para ler sobre o espetáculo A Marca da Água, eis que me deparo com a seguinte frase no início do texto de Paulo de Moraes, nesse meu momento em que tanto tenho pensado sobre o tempo: “não há tempo a perder”; e que termina lindamente com a frase “não podemos ter medo de morrer afogados”. Como isso soa familiar pra mim, uma pessoa de mergulhos...

Este mês, me peguei ainda mais interessada pelas questões do tempo, pois tenho tido vários insights sobre a minha vida, como se estivesse vivendo um daqueles momentos em que a gente começa a pensar em se dar alta da terapia. Eu realmente tenho resolvido muita coisa internamente, e atribuo isso a toda a série de movimentos de rupturas que comecei no ano passado, mas, especialmente, aos movimentos de reconstrução que iniciei neste ano. É como na história. Depois da queda, o recomeço. Depois das trevas, a luz. Trevas são necessárias, não nos enganemos achando que a luz deva ser eterna. Mesmo porque sequer sabemos se alguma coisa pode ser eterna, a não ser enquanto dure. Eterno é tanto tempo, que não faz sentido nos preocuparmos em descobrirmos se ele existe. É perda de tempo...

Trevas são necessárias... Tristeza, dor. Tudo isso, além de inevitável, é necessário pra gente dar valor ao que temos e, para mim, principalmente, ao que podemos realizar ainda. Porque na vida tudo está sempre por vir, e tudo o que quisermos pode ser possível. É questão de probabilidade. Se é provável, é possível. Por isso, depois de ter vivido mais uma das minhas trevas na vida, eu comecei a ver a luz de novo (no fim do túnel ela sempre existe, é só sair andando pra frente). E nesse movimento, percebi como eu havia deixado de lado uma série de coisas que me constituíam, me organizavam, me faziam olhar no espelho e dizer: sim, é você Vanessa! Certo, era preciso passar por isso. Sempre é. Mesmo que não seja. E se a gente aceita o tempo do crescimento de cada planta, a colheita é incrível! 

Eu agora estou num momento de replantar minhas plantas favoritas, coisa que o tempo fez por mim. E, de uma vez por todas (expressão dramática para enfatizar), colher aquilo que nasci pra fazer, entendendo que a pessoa é para o que nasce... Mesmo que nada esteja escrito nas estrelas, eu sei que nasci para algumas coisas (eu defini assim por desejo e por paixão). As principais delas consigo descrever da seguinte forma nesse momento: 1. investigar os mistérios do corpo, e suas possibilidades e potencialidades; 2. ajudar pessoas a concretizarem ideias/projetos/sonhos dos quais compartilho, e construir belas ações conjuntas; 3. investigar os mistérios da vida e, em suma, compartilhar a vida. 

Dentre as muitas formas de realizar tudo isso, eu fui escolhida por algumas. Uma delas, a que está mais evidente para os outros e que me ocupa bastante tempo, é a produção cultural. Acho que ela dá conta dos pontos 2 e 3 lindamente, e até hoje continuo nessa porque posso realizar, com pessoas incríveis, coisas incríveis, e estar em contato profundo com o ser humano. Isso me faz feliz, e também me situa nas relações de trabalho. Penso que quando não está bom produzir, é porque estou produzindo a coisa errada e devo mudar o rumo das coisas. Felizmente, tenho sido uma produtora de sorte, ou, que sabe procurar o que produzir... Definitivamente, sou uma produtora que precisa estar envolvida em todo o processo da produção. Desde a criação, entenda-se. Se assim também não for, eu vou buscando a forma de ser, ainda que isso implique em mudar de local de trabalho, abrir uma nova empresa, ir pra fora do país, essas coisas... Ainda bem que no campo da produção podemos sempre estar em movimento. Eu morreria se tivesse que bater ponto em um escritório todo dia fazendo um trabalho mecânico. Sorte? Acaso? Destino? Inteligência? Política? Tudo junto? Sei lá...

Já no campo um, foi com o yoga e o canto (como pilar de uma performance artística) que mais me realizei. Mas, por um bom tempo, eu os deixei de lado. E essa foi uma das principais questões que me lançaram na reflexão sobre o tempo neste ano. Por que os deixei de lado... Medo da potência? Já tentei de tudo (risos): teatro, piano, bodyboard, natação, corrida, mergulho de apneia. Tudo isso está em mim ainda, e algumas dessas atividades ainda são interesses, mas, de alguma forma, hoje elas se sintetizam no yoga, pela linhagem do tantra, e no canto (as atividades que escolhi para me aprofundar e que são sagradas na minha vida), e vão fazendo parte da construção das minhas performances artísticas, para as quais retornarei em breve. Pensar o retorno ao que me alegra e ao que faço com prazer é uma questão e tanta sobre o tempo na vida... E a elas vão se somando novas, e outras repaginadas. No momento estudo dança também (apenas como um plus na condição de performer, e não para ser bailarina) e, mesmo tendo passado um bom tempo numa relação complicada com a corrida (que já tentei várias vezes emplacar), eis que, por força das circunstâncias, eu a redescobri, embora ainda prefira a bicicleta... Mas preciso liberar adrenalina intensamente (vício de quem faz isso há anos), e correr é algo que posso fazer perto de casa. Andar de bicicleta na Tijuca não é nada divertido. Mas foi preciso resignificar essa atividade. Então, redescobri a corrida como meditação, ou seja, como yoga também. Coisas que só o tempo faz.

Especificamente no campo três, acho que viajar e escrever é o que mais me faz, embora cantar, quando é para o outro, também seja uma forma de compartilhar a vida. Mas escrever é, sem sombra de dúvida, uma das minhas formas primeiras de investigação da vida (no ato da escrita, para mim, fica claro como razão e emoção se confundem e se misturam) e de compartilhamento (porque eu gosto de ser lida). Não tenho esse papo de que escrevo só pra mim. Escritor que escreve só para si não publica. Já viajar é uma das mais deliciosas formas de se estar em movimento. Gosto, e muito! Além disso, compartilhar é também o motivo de eu gostar tanto de estar com as pessoas em relações profundas, mesmo sendo uma geminiana com Vênus em Gêmeos, o que me faz ser mal interpretada sempre (mais risos). Mas eu tenho um mapa denso em seu conjunto, e gosto mesmo é das relações que se aprofundam. Sou daquelas pessoas que prefere dar festa em casa a sair pra uma festa qualquer. Entende?

Mas porque eu falei tudo isso? Bem, porque também escrevo pra mim (risos de novo). E em um momento da minha vida em que autoconhecimento é prioridade, falar de mim tem sido inevitável nos meus textos. Mas também pra me ajudar a contextualizar a questão do tempo, e relacionar o ser com o fazer. É pensando em tudo isso, que sei que não há tempo a perder para realizar o que preciso realizar. E o que preciso realizar deve ser trabalhado com precisão, como navegar, já que a vida, não é nada precisa. Assim a gente equilibra e faz bonito!

E você, sabe o que te constitui, o que te organiza, o que te faz você? Dizem que não é o que a gente faz que nos torna nós mesmos, mas o que sentimos, ou somos. Eu não tenho esse talento de separar as coisas. Para mim, o que somos é o resultado do que praticamos. E o nosso caminho prático é também o nosso caminho espiritual. Por isso, é bom observarmos o que falamos, e se o que falamos é o que fazemos (na relação com o que temos de mais verdadeiro). Seja o que for, que seja o que tiver que ser. Mas que seja mesmo! Que tenhamos sempre a coragem de viver o que acreditamos. Para isso, deve haver tempo, e não há tempo a perder. Chronos e Kairós...

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