Do porto do adeus


(com a ajuda dos poetas)

vai marujo,
saia do fundo do meu oceano

ficarei do cais a te avistar
seguir teu rumo

pra te perder de vista no horizonte

vai marujo,
pula fora do meu barco
depois de tanto que te deixei aqui
ancorado

você, marujo,
é tão calado...

vai marujo,
dispara o seu mistério
noutro lado

naquele mar desconhecido

e encontre as suas ilhas alagadas

agora, aqui no porto do adeus,
é que o meu ano começa

transformei em cinzas
todas as mensagens
que te mandei engarrafadas

e inicio a construção de um novo barco
para esquecer aquele da noite derradeira

onde permaneci à deriva

deixarei livre o convés à bombordo
para quem quiser subir de qualquer lado
a partir deste dia de chuva
em que a longitude se torna necessária
quando a água lava toda a dor que ficou
da tua indiferença de homem do mar
tua negação corsária
que só não é mais profunda
que o vazio do universo ao luar
no meio do oceano

já estou no estaleiro, de pronto
construindo cada pedaço
do barco que me levará
para novos encontros

sabendo que me enganei tanto
ao achar que cada próxima mensagem
seria a última que te lançaria mar afora

mas agora sim,
chegou a hora!
porque o ano
finalmente virou

por necessidade
de sobrevivência
nesse espelho do céu,
o mundo recomeçou

vai marujo
que vou deixar pra lá o seu mar grego
e voltarei pro meu mar português

porque "o esforço é grande e o homem é pequeno",
"a alma é divina e a obra é imperfeita"

sempre imperfeita

"e ao imenso e possível oceano
ensinam estas quinas, que aqui vês,
que o mar com fim será grego ou romano:
o mar sem fim é português

e a cruz ao alto diz que o que me há na alma
e faz a febre em mim de navegar
só encontrará de Deus na eterna calma
o porto sempre por achar"

meu porto agora
é o porto do adeus
mas o porto da demora
em querer ser tudo
que deixei na tua espera

a longa espera no cais
que me estranha a alma liberta

é que nunca fui de estar no cais a esperar,
viúva de marujos que se lançam no mar

retomo, então, meu quepe.
sempre fui navegante!
marinheira eu sou, exata,
desde sempre navegante pirata

viver não é preciso!
por isso navego

então vai marujo,
já virei o leme na direção contrária

"quem quer passar além do Bojador
tem que passar além da dor"

já deixei de te dar as coordenadas
que eu talvez tenha passado erradas

parto em busca das terras mais bonitas desse mundo
"esse sítio frágil, onde tudo nos quebra e emudece"

pois "sou o único 'homem' a bordo do meu navio"
e assim sempre será

no meu rumo!

"a minha pátria é onde o vento passa,
a 'minha amada' é onde os roseirais dão flor,
o meu desejo é o rastro que ficou das aves,
e nunca acordo deste sonho e nunca durmo"

vai marujo...

desfiz os nós
pra não me sufocar
na tua silenciosa beleza

melhor que seja, ela,
como um doce sonho que eu tive um dia
e, de repente, ao acordar
percebi que estava mesmo era a sonhar

mas é melhor o vivido que o sonhado!
e registro, a bordo, no diário:
hoje é um dia de alegria
porque é sempre uma festa
içar as velas
e novamente
sair ao mar

vai marujo
vai
pra não voltar
porque se voltasse
eu sei, eu voltaria ao cais
pra te esperar

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