Petrópolis, uma cidade de saudade


A minha Petrópolis e a Petrópolis de sempre

Petrópolis, cidade da serra fluminense conhecida como Cidade Imperial, é uma daquelas cidades brasileiras que costumam encantar pessoas em busca de uma experiência de Brasil mais europeia. Frio, neblina, pinheiros, casarões imponentes, catedral de arquitetura gótica, histórias de monarcas, jardins bem ornamentados, uma coroa incrustada de pedras preciosas, exposta para nos lembrar da riqueza dos soberanos e de sua posição privilegiada na sociedade. Cidade onde se pode alugar carruagens para conhecer seu centro histórico e visitar um local que foi um importante cassino e hotel que hospedou figuras como Getúlio Vargas e Walt Disney, o Quitandinha. Pitoresco! A Avenida Koeler, que começa na praça da liberdade e vai até a catedral, é uma das belezas de Petrópolis. De cada lado da avenida, vemos belíssimas mansões e, no Hotel Solar do Império, se pode tomar um típico café da manhã colonial, ainda que não se esteja hospedado, no Restaurante Imperatriz Leopoldina, um casarão tombado pelo Iphan com pinturas feitas à mão pela francesa Dominique Jardy; um salão que mais lembra os salões de baile das cortes do século XVIII. É só chegar e pagar. Sempre achei a expressão colonial curiosa para adjetivar um café da manhã. Nesta bela avenida, na esquina à direita de quem vem da praça em direção à Catedral São Pedro, tem uma casa que parece um castelinho que sempre foi um dos meus sonhos de consumo por lá. A Avenida Ipiranga, logo ali perto, também abriga casarões e a famosa Casa da Ipiranga, mais conhecida como casa dos sete erros ou casa mal assombrada, um lugar lindíssimo que hoje é um centro de artes e tem um restaurante concorrido. E, na Rua da Imperatriz, encontra-se o Museu Imperial, que guarda boa parte da memória do Brasil antes da República e tem um simpático café que eu adoro, especialmente quando está frio. Perto de tudo isso também, encontramos o Palácio Cristal, a Casa de Santos Dumont, alguns (poucos) bons restaurantes, a fábrica da Bohemia, a Prefeitura, a Casa da Princesa Isabel, a Casa do Barão de Mauá, o Theatro Municipal Dom Pedro e a Rua 16 de Março, que tem uma filial apertada da deliciosa Casa do Alemão, point do croquete e de bombas calóricas. Tudo isto poderia tornar Petrópolis uma cidade incrível, certo!? Mas não é bem assim que funciona.

Petrópolis é também uma cidade musical. O Instituto dos Meninos Cantores de Petrópolis, os Canarinhos, tem fama internacional e por ele já passaram grandes nomes da nossa música de concerto. O maestro Marco Aurélio é velho conhecido da minha família. Em Petrópolis é assim, todo mundo se conhece. E esta cidade é também a terra do grande maestro e compositor Guerra-Peixe - cujo centenário está sendo comemorado este ano - e, hoje, é a cidade onde vive o maestro Ernani Aguiar já há um bom tempo, ele que é criador do Coro Municipal da cidade. Guerra-Peixe tem uma obra chamada Petrópolis da Minha Infância, escrita para orquestra de câmara, que estreou sob a regência de Ernani na década de 80, quando eu ainda era uma criança. Mas embora os dois maestros tenham musicado e regido a cidade, sempre souberam muito bem que Petrópolis é um caso complicado de se entender... Num dia de tempestade no Rio de Janeiro, eu estava “presa” na Escola de Música da UFRJ e conversava com Ernani. Ele especulava como, com aquela chuva toda, iria subir a serra, tentando chamar um táxi, e eu lhe falava de minha infância em Petrópolis e de quando saí e fui morar em outras cidades. Foi quando ele me disse: "sair de Petrópolis foi a melhor coisa que te aconteceu".

Petrópolis é uma cidade musical. Tem uma escola de música centenária, a Escola de Música Santa Cecília, mas não têm grandes orquestras - possui uma Filarmônica no Instituto dos Canarinhos. É também uma cidade com grande vocação cultural em geral, pelo menos aparentemente, mas não tem bons cinemas, não tem cias de dança, não tem uma cena expressiva de teatro, não tem casas de shows, nem grandes nem pequenas, não têm projetos de arte e cultura em nenhuma de suas favelas - hoje, muitas. Tem um grande museu, um dos mais interessantes do país, mas que como todo museu hoje é pouco ou quase nada frequentado pela população local. De toda forma, o Museu Imperial ainda salva a vida cultural de Petrópolis. É o melhor equipamento, com o melhor acervo, com a melhor organização. A programação cultural anual da cidade se resume ao Festival de Inverno, que acontece em junho, e à Festa do Colono Alemão, a Bauernfest. O Festival é realizado pela Dell´Arte, do Rio de Janeiro, e não pela cidade. Não sei o quanto contribui social e economicamente para a cidade ou mesmo para o turismo, já que se realiza numa época que normalmente já recebe muitos turistas. Culturalmente é um ótimo Festival, embora já tenha tido tempos melhores, e acredito que ao menos uma parte da população participe. No entanto, ainda assim, a cidade não consegue entrar no ritmo dele. Em determinados dias da semana, basta escurecer que, mesmo no centro histórico, Petrópolis se torna uma cidade fantasma. Depois do último concerto, não há o que fazer. Já a Festa do Colono é uma festa da cidade, e sobre ela não tenho o que dizer, pois não vou há anos. Sei que o patrocínio é da cervejaria Bohemia e, dizem os mais tradicionalistas, que ela já deixou de ser uma festa das tradições alemães. Meu avô foi químico da Bohemia. No casamento dele com a minha avó no final dos anos 40, não faltou barril de chopp. Ele me dizia que já naquela época a fórmula da Bohemia era bem brasileira...

Infelizmente - escrevo com tristeza no coração - não dá mesmo para esperar muito de Petrópolis, por mais linda que seja e por mais afeto que se tenha. A cidade vive a mesma realidade de muitas cidades brasileiras e fluminenses, onde o ser humano vem em segundo lugar e os cargos em primeiro. Nem mesmo o comércio local de malhas e lãs, que sempre foi forte por lá, anda bem das pernas. Várias lojas na Rua Teresa vêm fechando por conta da alta de preços dos aluguéis, enquanto os shoppings se espalham com lojas que se encontram em qualquer lugar, os locais de cultura e lazer fecham ou estão sucateados, as praças são abandonadas. Não sei como anda o Parque Crèmerie. Faz tempo que não vou lá. Fui muito na minha infância andar de pedalinho e brincar com os porquinhos da Índia. Até mesmo o centro histórico, que normalmente é privilegiado em cidades históricas em detrimento de todo o resto, está abandonado. As ruas estão cheias de buracos, o mato cobre a vista do rio que atravessa a Koeler, muitas casas parecem casas fantasmas. E se você já teve a experiência de pegar uma chuva forte nesta cidade, sabe o quanto é tenso. Tudo alaga e fica difícil distinguir o que é rua e o que é canal. Problema típico de cidades que crescem desordenadamente. Problema típico do mundo contemporâneo... Além disso, a qualquer hora do dia hoje é possível viver em Petrópolis uma típica experiência de grande cidade: o engarrafamento. Portanto, não se engane. A experiência europeia de Petrópolis fica reduzida ao frio de algumas épocas do ano, à história de uma família real cuja genealogia liga nobres de Portugal, França e Áustria e à comida da Casa do Alemão e do Pavelka. No mais, você não vai encontrar nada diferente de qualquer cidade brasileira. Ah sim, você vai encontrar lá um racismo bem "Europa no século XIX"... E quando você estiver no trânsito com todo mundo buzinando, pode até encontrar algumas semelhanças com Roma.

Pois esta cidade é também a minha cidade. Nasci em Petrópolis, vivi minha infância lá e até hoje mantenho contato permanente com este lugar, visitando a minha avó por parte de mãe e a família do meu pai. Estive agora no feriado de Páscoa para passar três dias na casa da minha avó. E fui com ela e minha mãe conferir a programação cultural de Páscoa, criada pela Prefeitura. Uma tristeza. Inexpressiva e sem nenhum impacto positivo para a cidade. Resumida a algumas barraquinhas genéricas no Palácio Cristal, que ainda resolveram chamar de Feira do Chocolate, o que menos havia. A barraca que parecia mais legal, com um cardápio de doces alemães, não tinha 1/3 do que prometia. Tudo era mal acabado, o público era pequeno. Fui até a organização perguntar qual seria o show da noite e só souberam me dizer o nome do grupo. Não sabiam do que se tratava. Já era tarde, estava tudo fechado na cidade. Voltamos para a casa para comer torta de bacalhau e aproveitei para ver as fotos da família, desde a época do Seu Chico Vieira, meu trisavô português que era dono de meia Cascatinha, segundo distrito de Petrópolis, onde eu cresci. O distrito mais dentro da cidade que já vi. E passei parte da noite ouvindo mais histórias da minha avó e vendo as dezenas de fotografias. 

Assim que cheguei à Petrópolis desta vez quis ir, com meu pai e minha mãe, à Estrada da Saudade. Este é o nome de uma rua da cidade onde moramos na minha infância. Sempre achei o nome da rua muito poético, e nossa casa ficava no alto e tinha vista para um céu enorme e grandes montanhas. Quis ir lá relembrar como era. Quando moramos em cima da casa dos meus avós, também havia vista para uma montanha. E acho que essas montanhas de Petrópolis, mais a introspecção que só os lugares frios nos proporcionam, foram o que me tornaram poeta. Além disso, morar num lugar chamado Estrada da Saudade é de uma beleza melancólica. Um pouco, poesia portuguesa... Depois, eu resolvi andar por Cascatinha e visitar os lugares onde brinquei e onde parte da história da minha família se deu, tanto do lado materno (pelos Vieira e os Rocha) quanto pelo lado paterno (pelos Pereira). Fui à igreja onde meus tios Lilian e Marco se casaram e eu fui dama de honra, que fica numa pracinha com um coreto, perto da antiga Estação de Trem Cascatinha, que faz parte da Estrada Real. De lá se vê a chaminé da fábrica de tecido, onde boa parte da minha família trabalhou. Passei pelo Bogari Clube, que hoje está desativado, mas onde vivi meus carnavais na infância, onde meus pais se conheceram, meus tios se conheceram, meus avós se conheceram. Ali, havia a Cia de Teatro em que meus avós atuaram e onde se apaixonaram. Foi no Bogari também que aconteceu a festa de casamento deles, dos meus pais e dos meus tios todos. E foi também em Cascatinha que eu soube, pela primeira vez, o que era ter interesse por um garoto, e nosso beijo aconteceu num carnaval no Bogari. Nossa vida acontecia entre o Bogari e a casa dos meus avós, a uns trinta passos do Clube. A casa de Ceny e Hernani sempre foi um ponto de referência no bairro. Todo mundo conhecia os dois. Minha avó foi mãe do ano (no Bogari), minha mãe foi Nice Girl (no Bogari) e toda a minha família era sempre premiada (no Bogari) por suas fantasias no tradicional, mas já extinto, Baile dos Fantasmas, um desfile de blocos bizarros com temas de terror que acontecia uma semana antes do carnaval. Eram famosas as festas (de Natal, Carnaval, Páscoa, aniversários) na casa dos Vieira e Rocha. A casa onde vivi já não era a antiga casa da família construída pelo pai de seu Chico Vieira, José, mas outra que meu avô construiu após derrubar a velha. Porém, guardava todas as histórias: do armazém do seu Chico ao lado da casa, que importava de Portugal tudo do bom e do melhor (vinho, azeite, bacalhau); dos seus dez filhos, cada um com uma história mais pitoresca que a outra; dos muitos velórios na casa e os gambás que andavam no telhado; do dia em que a família perdeu boa parte do dinheiro que tinha e teve que vender as maçanetas de cristal. E a história que ninguém acredita quando conto, mas é verdade: meu bisavô um dia saiu para comprar cigarro e sumiu. E é dele que carrego o sobrenome Rocha... Às vezes tenho vontade de colocar o Vieira, mas só de pensar na trabalheira que isso daria, eu desisto. Ele largou minha bisavó, a bela Julieta, grávida do meu avô. Só depois de muitos anos é que souberam tudo o que aconteceu, porque ele, ao saber que minha bisavó estava morrendo (dizem as más línguas, que de amor) voltou a Petrópolis. Mas meu tataravô e meu avô não quiseram recebê-lo. Ele ficou na casa de amigos e contou que se arrependia e que havia partido porque achava que o meu avô não era filho dele. Disse que morria de ciúmes da minha bisavó e não sabia conviver com aquilo. Depois, teve certeza que o filho era dele e que tudo não passava de um ciúme doentio. Covarde! Eu olho para a foto dele e repito essa palavra. Ou, vai ver era apenas um homem frágil, fruto de uma geração machista demais. Sei que depois ele quis conhecer o filho, mas meu avô não quis. A família soube que ele tinha ido para o EUA. Felizmente, depois minha bisavó encontrou um homem que a amava e fez tudo por ela e o seu filho, o meu avô. Mas, ela nunca esqueceu Horácio Rocha... E morreu jovem, aos 35 anos, do coração. Na minha família, há uma tradição de morrer do coração. É uma linhagem. Acho trágico e ao mesmo tempo poético: “morreu do coração!” Acho que estou fadada a morrer do coração, com duplo sentido. Além dos infartos, é uma família repleta de histórias de grandes e confusos amores. Pelo menos eu cresci ouvindo essas histórias, e não, contos de fadas, e acho que desde cedo aprendi que amor é mesmo conflito e que assim é muito mais emocionante que histórias de príncipes encantados.

Minha avó, quando casou com meu avô, foi morar nesta casa, com essa gente toda: muitas tias, o padrasto do meu avô, um primo esquizofrênico de quem ela cuidou até a morte dele e uma prima também com distúrbios psíquicos, de quem ela também cuidou a vida inteira. Quando os dois morreram, ela teve câncer. Minha avó é uma mulher incrível. Foi atriz quando isto era motivo para sofrer preconceito brabo. Passou por dois cânceres, cuidou de três filhos, abortou naturalmente outros, foi enfermeira, cuidou dos netos, dos primos do meu avô, do meu avô. E nunca deixou de pensar nela. Enfrentava o gênio leonino do meu avô sem medo, fazia o que queria. Viveu com um homem difícil por 63 anos e o amou profundamente, sem confundir amor com esquecimento de si mesma, como muita gente faz. Hoje, minha avó vive em um dos apartamentos de cima da antiga casa dela, que está alugada. Isto desde que meu avô faleceu. Eu não ia lá há anos, pois enquanto ele e ela estiveram doentes, ficaram em Juiz de Fora, perto da minha tia (outra cidade importante na história da família, onde nasceu a minha mãe). Quando eu cheguei lá desta vez, foi um impacto. A casa alugada me deu um nó no coração. Foi ali que cresci, que vi minhas irmãs nascerem, que inventei brincadeiras com os meus primos, que vivi minha primeira paixão, ou seja, foi ali que vivi minhas primeiras experiências de vida. E foi ali também que vivi minhas primeiras experiências de morte – a de uma amiguinha da escola, aos 6 anos de idade, de maneira trágica, e a do meu bisavô malandro, jogador do América, seu Arnô. Chorei um pouquinho, olhei o jardim que quase não existe mais e abracei a minha avó. Ela, quando voltou a morar ali, disse que passou o dia chorando. E ali, eu tive certeza do quanto minha avó e meu avô são referências para mim. Foi com eles que aprendi a amar a arte e aprendi primeiro a valorizar a sinceridade e a honestidade, o que depois os meus pais reforçaram; foi vendo a relação deles que hoje acredito no amor; e foi pela energia dos dois que aprendi a acreditar que tudo é possível, basta se mexer e fazer a vida acontecer. Meu avô era inquieto e fazia tudo. Acordava cedo e trabalhava o dia inteiro. Só dormia quando parava em frente à TV. Um sábio... Mesmo quando se tratava de jogo do Vasco, time para o qual torcia. Minha avó, de quem eu herdei a torcida pelo Fluminense (ela é a maior tricolor que já conheci, depois é que vem a minha mãe) é, como ela mesma diz, uma espevitada. Não para, nem nunca parou. Mesmo quando fazia quimioterapia. Eu digo que meu avô morreu de tristeza, e não das complicações decorrentes dos problemas do coração (olha ele aí de novo). Quando ele ficou dependente das pessoas e não mais podia fazer tudo o que sempre fez, ele entristeceu, e sabemos que isso acelerou sua morte. De uma forma ou de outra, morreu do coração... Um dia, minha mãe foi visitá-lo no hospital e ele reclamou que era tudo muito chato lá, que não havia nem uma cervejinha. Figura! No velório, quando abracei minha avó, ela me disse que havia perdido um pedacinho dela. Triste. Mas ela sacudiu a poeira e foi viver a vida, aos quase 80 anos. Hoje, faz questão de morar sozinha (e, por isso, a gente torra a paciência dela para manter o celular sempre ligado do lado da cama), porque ela é como eu, ou eu sou como ela: precisa do seu canto. Está reformando a casa inteira e vem pensando em viajar! Minha família tem uma característica pela qual agradeço: uma enorme capacidade de não se entregar e sempre recomeçar. Meu pai também é assim. Disse que já recomeçou a vida cinco vezes. Quando eu nasci, ele estava desempregado. E depois, saiu dessa condição para um cargo no banco onde só cresceu, até chegar à inspetoria e a gente viver se mudando de cidade, uma das experiências que me constitui. 

Pois esta é a minha Petrópolis. Repleta de histórias de uma família que fala sem parar, que ama sem medir, que vive a vida com tudo o que ela oferece e é capaz de se reconstruir de ruínas, quantas vezes forem necessárias. A Petrópolis que me fez poeta e escritora, pois numa família dessa e numa cidade como essa, tendo morando na Estrada da Saudade, eu posso dizer que fui condenada a ser sentimental, como o protagonista do filme A Grande Beleza.

Por isso, me entristece ir lá e ver o marasmo da cidade e a apatia do petropolitano médio. Petrópolis é uma cidade que não sai do lugar e, pior que isso, parece hoje andar para trás. Para mim, isto se explica, em parte, pelo provincianismo do petropolitano, porém, associado a um comodismo do brasileiro que diz sempre “ah, tá bom assim...” A gente aprendeu a acreditar, no Brasil, que funcionamos desta forma. Acho que esta é a frase que mais escuto por lá. Mas isto nunca foi motivo para as coisas mudarem. Falta, como bem sabemos, um governo com visão e menos corrupto (porque dizer nada corrupto no Brasil é ingenuidade). Mas isso, no país todo. Mas o que talvez falte mesmo à cidade, seja quem queira enfrentar tudo isso. Na área da cultura, ninguém fica. Não tem o que fazer por lá. A não ser que se tenha disposição para mover montanhas diariamente. Como todo mundo acaba saindo de lá para estudar, quando a gente vê o mundo não quer mais voltar. Uma pena... Fazer um Festival de Inverno é legal, mas isso não muda uma cidade. Não da forma como ele acontece, pois conheço casos de festivais altamente impactantes. Foi o que estudei na Espanha no curso de Economia da Cultura. Quando eu estava na faculdade, meu trabalho de política cultural foi para Petrópolis. Estudei a cidade de cabo a rabo e as suas potencialidades, inclusive a tecnológica – para quem não sabe, lá tem um pólo de tecnologia que às vezes é chamado de Silicon Valley brasileiro, o Petrópolis Tecnópolis. Desde aquela época tenho vontade de fazer mil coisas pela cidade e, se eu tivesse dinheiro pra valer, já teria ao menos comprado a fábrica de tecidos abandonada no centro da cidade e transformado em um super espaço cultural. Mas sempre que penso na realidade cultural brasileira e de Petrópolis, eu me desanimo. Não porque eu tenha aceitado o comodismo, mas porque saí de lá há tanto tempo - pois era impossível ficar -, que isto significaria abandonar o que venho construindo. Petrópolis faz isso com a gente. Nos expulsa da cidade. Talvez, um dia, quem sabe, quando eu já tiver rodado o mundo e feito tudo o que quero fazer, eu tenha mais energia e sabedoria para fazer alguma coisa por lá. Por enquanto, isso não é possível. Porque Petrópolis ainda é uma sociedade de corte (leia-se côrte, e não aquilo que uma tesoura faz).

Aliás, o Brasil é um país onde a sociedade de corte nunca deixou de existir. Nossa democracia é terrível, como a própria família real reconhece, ao defender, em seu site (que eu descobri outro dia) uma monarquia parlamentarista. Dá Google aí na Casa Imperial do Brasil. Mas eles esqueceram que a monarquia permanece, com a diferença de que se tornou rizomática, e não mais é privilégio de uma família. Está em toda a estrutura de governo, nas universidades, dentro de casa e nas empresas. Essa gente deixou o seu legado por aqui. No Brasil, temos o tempo todo que confrontar a corte e sua lógica, que o tempo inteiro força a desenrolar tapetes vermelhos para os soberanos e não para de os enriquecer (vide os salários dos nossos deputados). Somos uma república sub-democrática de corte. Quem sabe, um dia também, isso acabe, e Petrópolis, e todo o Brasil, possam ser lugar de gente fina e elegante por toda a parte, sem que se precise ter sobrenome e genealogia nobre para isso; e sincera, sempre. Utopias de quem morou na Estrada da Saudade.

 Casarão na Avenida Koeler

 Casas típicas de Cascatinha

 Igreja de Cascatinha e chaminé da Fábrica de Tecidos

 Coreto da pracinha da igreja

 O atestado de que a estação faz parte da Estrada Real

 Antiga estação de trem de Cascatinha

 O famoso Bogari Clube das muitas histórias dos Rocha, Vieira e Pereira...

 A casa onde cresci, já alugada, quase sem plantas, com uma escada nova e estranhamente pintada de azul...

 Minha bisavó Julieta, a que morreu de amor...

 Foto clássica na ponte com vista para a catedral. Tios, avós, mãe e pai na década de 70

 Meu avô, lindo e estiloso nos anos 40

 A velha casa da trupe do seu Chico Vieira

 O tal que foi comprar cigarro e sumiu... meu bisavô Horácio Rocha

 Minha avó na casa antiga com o meu tio

"seu" Chico Vieira Christo, primogênito do patriarca dos Vieira Christo, José, da Ilha Terceira de Açores

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