Notas ingênuas para o cotidiano
às vezes, é tão somente
o vento de quando o metrô chega na estação
eu, já cansada (passa das dez),
tentando conter a ilusão da rua do passeio
o edifício odeon se torna um refúgio
para um coração estupefato por tantas palavras e desejos
e projetos que não cabem mais na agenda
e todas as certezas que não tenho
a música ainda chega
para inflar mais este corpo
necessitado daquilo que não precisa
a força prolixa das letras
não fosse a poesia, eu sufocaria
mas, se não fosse a música,
este maravilhoso vazio do verbo,
eu já haveria de ter partido desta para o incerto
nem sei de mais nada
é tarde e estou cansada
os olhos ardem de tantas mensagens
que não cessam de me querer
chego a cogitar que posso atender
algumas delas
afinal, o amor líquido
parece tão mais fácil
é que tudo anda cultural demais, um tanto
racional demais
mas eu só desejaria correr na direção certa
e sem resquícios de um leão covarde
só que a paixão confunde
e, diante do cansaço, delira
e sentir demais o mundo
a ponto de deixar transbordar
não somente o amor, mas as planilhas
e os problemas todos da família
é uma dor que dói
onde nenhuma palavra alcança
mas, às vezes, é tão somente
o vento de quando o metrô chega na estação
e balança os cabelos,
faz ruído nos meus pelos
e eu fecho os olhos e penso:
ser gente
é ser qualquer coisa
e mais nada
antes de embarcar,
cansada