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As quatro estações cariocas

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A Primavera Chegada é a Primavera Se uirapuru ou sabiá que a saúda, que importa Correntezas aninham-se aos ventos que celebram pássaros E as águas correm aliviando o doce calor carioca Uma tempestade se anuncia no horizonte marítimo Trovões levantam as ondas e alegram meninos Ao seu fim, retornam as andorinhas ao Arpoador E distribuem hipnóticos cantos sob o céu azul Neste cenário de luz entre o mar e o bairro alto Ao balançar das árvores e às buzinas de carro Dorme o mendigo com um buquê de flores e o seu cão ao lado Do pastoral subúrbio ao centro festejante Dançaria Vivaldi um samba ao seu próprio furor e abrigo amado Da primavera, cuja aparência de quase verão é brilhante e austera   O verão Sob a dura estação pelo sol incendiada Lânguidos homem e cachorro, arde o meio dia Libertam as maritacas seu canto estridente Cantores correm para os teatros à refrescar a poesia Um doce vento norte se vai, e uma disputa É improvisada pelo sudoeste das viradas na ...

O universo das coisas não publicadas

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Sento-me diante dela A quem costumamos nomear vida E à rosa subsiste seu nome Deixo de lado cetro e vaidade Acomodo-me em seu sítio forte Onde trono é tronco de árvore Ela me solicita despir-me Abandonar os livros e a razão Para ouvir o que grita Recolho os meus sentidos e os vazios Meus demônios dizem Que talvez não valha a pena Uma nudez com pena da morte? E a morte ri na minha cara E diz que é vida ainda Retiro, então, a pele Marcada mesmo É por traços invisíveis E encaro os profundos olhos dela Vida ou morte, tanto faz São fêmeas Ambas dão a luz E são a mesma face cálida Mirando as nossas fragilidades Para extrair delas O óleo essencial de nossas almas Verdades Busco em seus espelhos Os porquês Em vão, tolice Disparo sangue pelos meus Com o coração chovendo espinhos Despedaçado Ao lembrar a infância feliz Com cheiro de mato Totem de um tempo já perdido O que importa é fluído A vida é círculo E de tudo resiste sempre uma flor De ca...

Tema clássico

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Escorre meu coração Através de um adagio A chuva rememora O frio da infância Era um naufrágio de névoa Cobrindo as montanhas E cheiro de avó na cozinha Preparando a refeição Escorre e aperta Respira e se eleva Ao solo terroso Ao que espera De um desejo novo Atravessa a partitura E cria, o coração, Literatura A chuva insiste Mas acalenta quentura Da companhia Dos poetas na estante Estou repleta Completa de mim mesma O frio traz saudade O calor que tenho dentro, Liberdade Escorre meu coração Ora grave Ora vivace

País tropical

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Moro num país tropical Abençoado e maltratado Há no parlamento Asquerosos mal dotados De intelecto e amor Ladrões por toda parte E boa parte da gente Dá jeitinho em tudo Pura arte? Corrompem-se por bem pouco E suas fraquezas esfaqueiam As potências do outro Dizem que todo mundo Tem seu preço Já me ofereçam tudo: Cargo, dinheiro No dia a dia Tentam me comprar Com vaidade, desejo Mas eu prefiro as árvores Moro num país tropical E há nele um homem prepotente Que se intitula presidente E se eu quisesse continuar a rima Diria que impotente E por aí vai Mas minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá E ela é um deleite para poetas Pena que não se compreende mais nela A força dos estetas, dos livros e das festas Mancham de sangue os coretos Rotulam jovens estudantes de baderneiros Estrangulam as liberdades Como estupram moças a cada esquina E depois as culpam pela saia pequenina Mas dizem que a história é cíclica - Deveríamos respirar? - E se isto no...

Phoenix, um poema

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Para Sergio Roberto de Oliveira De tudo renascemos – Anunciou-se! Do pó viemos ao pó retornaremos Para dele, reerguermos sonhos – não muros, No ciclo eterno de vida renovada Teu corpo é de cada humano – Alvorada! Tua dor quem sente é o mundo Pelos fios da linguagem universal Emoção-sal De corpo água-forte Respirar não é mais Que impermanência e sorte E, de repente, a morte E o primeiro reviver Simultâneos intervalos Quando nasce a morte Morre o passado Ambos um só, sem hiato E eis que ela, a vida, Brilha no choro agudo Da criança recém-nascida Morre o jovem, nasce o pai! Eis o que se consuma! E celebra-se a bruma! Segue-se a jornada Em seu curso, amarrada, A criança crescendo, o pulso, a estrada, Dias e noites cumprindo o seu destino insano E, então, de novo ela, dilacerando, A morte na forma do fim do amor Para renascer, em exato ins...

Derradeiro

Ante o imponderável Paro e sinto Que mistérios ligam Os meus sentidos Ao infinito Pensar alturas não é só para poetas A vida tem asas e abismos Pairando no tempo o espaço aberto Rasga um coração Derramamentos Fosse meu corpo um cetro Eu o traria agora para mim Dono de si-realeza-interna Cavalheiro de cor marfim Ante o impossível Paro e observo O antes improvável Torna-se certo Que de noite seja dia Porque não Que o dia seja raro O beijo desejado Acontecido O fosso das almas perdidas Encontrado Fosse minha mente uma jangada Eu faria deste planeta um só mar Inteiro sem fronteiras e sem leis Cozido no amor com sabor de manacá Ante o inconsciente Paro e respiro Que palavras se parecem Com o que digo Que as estrelas sejam olhos Que os olhos sejam fome Talhado na pedra o charque Fervido na brasa o molho Arado o solo-chão para o sexo Fosse o meu mundo terroir Eu distribuiria música com Dionísio Beberíamos todos em sol maior Aniquilados pela sorte do ...

Um cisne em voo solo - carta para Stefania

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Querida Stefania, espero que esteja tudo bem por aí. Por aqui teremos que aprender a conviver com a sua partida. Porque a vida segue em todos nós. Em você também, porque acredito que tudo é uma coisa só, vivemos em espirais do tempo e do espaço. Neste momento, estamos apenas em dimensões diferentes da existência. Logo, teremos que aprender a conviver com a sua partida desta dimensão aqui.  Queria te dizer muitas coisas bonitas, mas as palavras são limitadas. Podem ser muito belas, é verdade, e eu vivo buscando beleza através delas. E, junto a elas, explicações e narrativas para o que vivo. Como faço agora nesta carta para ti. Mas acredito que é para além das palavras que a beleza se manifesta mais plenamente. Por exemplo, na natureza, que você tanto amava. E na música, que você dançava. Na noite em que eu soube da sua partida, quando eu já estava sozinha, passei um tempo mergulhada nas palavras. Escrevi para mim, escrevi para o outro, racionalizei para tentar achar sentido...