quando chove uma chuva persistente
acordei cinza
a minha contradição
tem o nome tristeza
daquelas que parecem
passageiras
em dias de chuva persistente
mas presentes, o suficiente,
para desmoronar
as fortalezas
daquelas que apertam o peito
diminuem o viço
puxam pro solo abaixo
um corpo cheio de vida
numa hora cheia de alegria
eu deveria
ser mais atenta
na presença do meu corpo
a tristeza me desafia
duvido da própria força
escarro muitas palavras
e me pergunto
para que jorrá-las
se, na verdade,
é tão mais simples
tristeza ou alegria
não existe outra coisa
melancolia?
não, talvez eu tenha me enganado
caí mesmo foi numa tristeza profunda
que não quer se olhar
no espelho
e afunda o corpo
num travesseiro velho
de que adianta dizer
que o sol brilha
se quando chove
a alegria
que se queria
é justamente aquela
que não pode ser?
e desabo
que tanto prazer esse
de brincar com as palavras
de um dia acreditar no amor
e no outro não saber sequer
no que acreditou?
eu que amo tanto...
a minha contradição
tem o nome tristeza
mas sei que mais tarde
volta a ganhar nome de alegria
eu sou o que o tempo pede
um dia sol
um dia sombria
hoje acordei cinza
num dia cinza
em que eu queria
o que não posso ter agora
essa recorrência
de quem caminha
em bamba corda
nessa hora
a saudade se esquiva
o que existe mesmo é falta
aquele vazio terrível
de querer
quando a gente ainda
não atravessou
a linha que separa
o que somos
do que já esboçamos ser
acordei cinza
num dia cinza
acontece
nas almas mais errantes,
e, principalmente,
nas famintas