Prosa de um querer
sempre depois que te vejo é como se ficasse um cheio. fica cheio de vida o meu coração e tento transformar também em cheio o vazio que fica quando vou ou quando vais. e o vazio desaparece e fica um cheio tanto que transborda de vida semeando dentro de mim. extasiante. como podes ser tão bonito assim? tua beleza vem de longe, de um mundo subterrâneo que é ao mesmo tempo céu, lá onde nasceu a vida, daquele tempo sem tempo onde as estrelas espalharam poeira e era mesmo a música que mantinha em permanência e caos o universo. uma música das esferas a dar origem ao verbo. às vezes, depois de te ver e te sentir, quando só, eu choro, minutos seguidos, até que paro, sorrio e vou dormir. mas não choro um choro de tristeza. é o choro da falta das palavras. é o choro da primeira mulher que existiu sobre o planeta. às vezes rio. pois só o choro ou só o riso, destes momentos de ficar só após teus gestos e com teu cheiro impregnado em mim pelos abraços e o toque dessas mãos que criam versos, são capazes de dizer. fica algo no estômago, no fígado, no sexo. e pareço não produzir mais que amor ao invés de bile ou toda secreção. choro porque não sei o que fazer com tanta vida que em mim revira, querendo sair por minha vagina enlouquecida de paixão. ou rio, selvagem. e te sorvo, com os meus ossos e o meu sangue acompanhando a tua arte. depois disso, fica é o coração perdido de tão encontrado. e não posso nada mais fazer a não ser correr em sua direção, como criança ensolarada. e fico tateando a procura dos apoios para o tanto que deslocas. e decido por, tão somente, escancarar a verdade. rememorando que conheço teu íntimo e sei que ele sabe como me querer. eu morreria no fundo do teu olhar profundo, para viver ainda mais depois. e faria para ti as oferendas que pedem teu sorriso e teu cheiro ancestral. de um jeito de quem te ama em tuas entranhas. e nos tempos breves que temos para sermos e estarmos. tempos certos. mesmo aquele que bate a porta do espanto: como te olhar nas horas calculadas do trabalho? saberemos. sem temor. e talvez se tornem, minhas palavras, mais cimento que reticências desejando o que ainda não é. e por tudo isto eu retribuo as tuas provocações. das palavras ditas sem pensar, no calor do sentimento. do carinho e do suor que, mesmo em terrenos gélidos e frios, revelam esse íntimo pedregoso e enluarado onde eu me perco para encontrar o cerne da divindade da existência. minhas palavras são meu corpo escorrendo pelo teu e se despedaçando em múltiplos sóis no mundo que existe no entre-nós. nem meu, nem seu, mas nosso. feito de barro, medo, coragem, solidão, das mais belas e dolorosas poesias e da sonoridade nova que contrapõe a profundidade da música dos antigos com a leveza do deslumbramento de uma nova estrela. tu vais e eu fico. renovada. tu vens e é como se eu olhasse no olho de deus, com a certeza de que deus é aquilo que não conseguimos explicar e o que faz a vida se regozijar. tu vens e eu me alegro de dar de cara com o mistério, que faz do meu querer um acelerador de partículas e uma abelha rainha. dá origem a vida e se lança no ar como uma virgem linha .